O que determina a qualidade de um alimento é sua composição nutricional, e não a quantidade de ingredientes ou etapas de processamento. Um alimento pode ser mais ou menos nutritivo, tendo ele sido processado ou não.
Portanto, é equivocado afirmar que o grau de processamento qualifica um alimento e, menos ainda, que possa classificar um alimento como de baixo valor nutricional, que promova ganho de peso e ou que cause doenças crônicas. Tal classificação ignora os benefícios comprovados de dietas balanceadas que contemplam alimentos de todos os tipos de processamento.
“Os consumidores precisam ser corretamente informados de que a saudabilidade não tem correlação direta ou absoluta com o número de ingredientes, intensidade ou número de processos ou com o fato de que o alimento foi processado em residências ou em uma grande indústria”.
Diversos padrões alimentares podem ser considerados saudáveis. Uma dieta saudável é definida pela Organização Mundial da Saúde como aquela que é diversa, que inclui quantidade suficiente de frutas e legumes, quantidade limitada de açúcares, sal e gordura saturada, e que seja adequada em valor energético.
Um grupo de cientistas do departamento de Ciência da Nutrição da Faculdade de Medicina da Universidade de Toronto, no Canadá, comparou a qualidade nutricional de alimentos e bebidas mais processados com outros menos processados.
Um dos resultados encontrados foi que alimentos tanto ricos em calorias quanto em nutrientes existem em diferentes níveis de processamento. Por isso, os autores dizem que não faz sentido recomendar que um alimento específico seja evitado simplesmente considerando seu grau de processamento.
A conclusão do estudo é que “as escolhas e as recomendações alimentares devem ser baseadas principalmente na densidade de nutrientes, e não no nível de processamento.” Isso porque os alimentos considerados mais processados diferem muito entre si com relação à qualidade nutricional. Portanto, a classificação de processamento não seria suficiente para garantir uma escolha saudável.
Vergeer et al. 2019. Nutrients 2019. 11(11), 2782. The Calorie and Nutrient Density of More - Versus Less - Processed Packaged Food and Beverage Products in the Canadian Food Supply.
De acordo com a BDA – British Dietetic Association (Associação de Nutricionistas do Reino Unido), o processamento de alimentos pode gerar mudanças na qualidade e nos atributos do produto. Há casos em que essas mudanças são intencionais e proporcionam melhorias no teor de nutrientes, textura, aparência e sabor dos produtos. Em outros casos, as mudanças podem simplesmente tornar o produto diferente, sem melhorar ou alterar sua qualidade.
Ainda segundo a BDA, alimentos processados cumprem o papel de atender às necessidades nutricionais, por isso é importante que as pessoas não evitem os que possuem mais de cinco ingredientes, pois muitos deles são essenciais para alcançar uma dieta balanceada.
Em artigo recente, pesquisadores da área da Ciência, Tecnologia e Engenharia de Alimentos consideraram imprecisa a classificação de alimentos por grau de processamento, corrente que ignora estudos científicos e sugere, a partir de dados inadequados, que alimentos preparados com ingredientes básicos em casa têm qualidades nutricionais superiores aos produzidos por indústrias.
Para os autores do artigo, tal classificação se baseia na premissa errônea de que alimentos industrializados mais processados têm baixo valor nutricional, promovem ganho de peso e causam doenças crônicas aos consumidores porque contêm açúcar, sal e aditivos.
O artigo afirma ainda que os estudos que correlacionam alimentos mais processados com maus resultados de saúde mostram mais sobre impacto de dietas compostas de alimentos inadequados (dietas não balanceadas) do que qualquer possível impacto negativo do processamento de alimentos em si. Em resumo, tal classificação é uma forma imprecisa de definir alimentos.
Braesco, V., Souchon, I., Sauvant, P. et al. Ultra-processed foods: how functional is the NOVA system?. Eur J Clin Nutr 76, 1245–1253 (2022). https://doi.org/10.1038/s41430-022-01099-1
Bernstein, M. A., Tucker, K. L., Ryan, N. D., O'Neill, E. F., Clements, K. M., Nelson, M. E., et al. (2002). Higher dietary variety is associated with better nutritional status in frail elderly people. Journal of the American Dietetic Association, 102(8), 1096–1104.
Braesco V., Corrieu G., Feillet P., Giacchetti I., Pascal G., Risse J., Serpelloni M., This H., Trystram G. (2019). Aliments dits "ultra-transformés et santé: que faut-il en penser? Publication of the Academie d’Agriculture de France.
de Araújo, T.P., de Moraes, M.M., Afonso, C., Santos, C., Rodrigues, S.S.P. (2022). Food Processing: Comparison of Different Food Classification Systems. Nutrients, 14, 729.
Demais referências:
16) Eicher-Miller, H.A., Fulgoni, V.L. and Keast, D.R. (2012) Contributions of processed foods to dietary intake in the US from 2003-2008: a report of the Food and Nutrition Science Solutions Joint Task Force of the Academy of Nutrition and Dietetics, American Society for Nutrition, Institute of Food Technologists, and International Food Information Council. J Nutri. 142(11), 2065s-2072s.
17) Eicher-Miller, H. A., Fulgoni, V. L., & Keast, D. R. (2015). Processed Food Contributions to Energy and Nutrient Intake Differ among US Children by Race/Ethnicity. Nutrients, 7(12), 10076–10088.
18) Estell M.L., Barrett E.M., Kissock K.R., Grafenauer S.J., Jones J.M., Beck E.J. (2022). Fortification of grain foods and NOVA: the potential for altered nutrient intakes while avoiding ultra-processed foods. European Journal of Nutrition 61(2):935-945.
19) Fardet, A., Lakhssassi, S., & Briffaz, A. (2018). Beyond nutrient-based food indices: a data mining approach to search for a quantitative holistic index reflecting the degree of food processing and including physicochemical properties. Food & Function, 9(1), 561–572.
20) Fardet, A., Richonnet, C., & Mazur, A. (2019). Association between consumption of fruit or processed fruit and chronic diseases and their risk factors: a systematic review of meta- analyses. Nutrition Reviews.
21) Fardet A., Christodoulou A., Kelly F., Davidou S. (2019). La classification holistico- réductionniste Siga des aliments en function de leur degré de transformation.
22) Fardet, A., Rock, E. Chronic diseases are first associated with the degradation and artificialization of food matrices rather than with food composition: calorie quality matters more than calorie quantity. Eur J Nutr (2022).
23) Gibney, M. J., Forde, C. G., Mullally, D., & Gibney, E. R. (2017). Ultra-processed foods in human health: a critical appraisal. The American Journal of Clinical Nutrition.
24) Gibney, M. J. (2019). Ultra-processed foods: definitions and policy issues. Current Developments in Nutrition, Volume 3, Issue 2.
25) Gibney, M.J., Forde, C.G. (2022). Nutrition research challenges for processed food and health. Nat Food 3, 104–109.
26) Jones, J. M. (2019). Food processing: criteria for dietary guidance and public health? The Proceedings of the Nutrition Society, 78(1), 4–18.
27) Lorenzoni, G., Di Benedetto, R., Silano, M., & Gregori, D. (2021). What Is the Nutritional Composition of Ultra-Processed Food Marketed in Italy? Nutrients, 13(7), 2364.
28) Marino, M., Puppo, F., Del Bo', C., Vinelli, V., Riso, P., Porrini, M., & Martini, D. (2021). A Systematic Review of Worldwide Consumption of Ultra-Processed Foods: Findings and Criticisms. Nutrients, 13(8), 2778.
29) Petrus, R. R., do Amaral Sobral, P. J., Tadini, C. C., & Gonçalves, C. B. (2021). The NOVA classification system: A critical perspective in food science. Trends in Food Science & Technology, 116, 603–608.
30) Poti, J. M., Braga, B., & Qin, B. (2017). Ultra-processed Food Intake and Obesity: What Really Matters for Health—Processing or Nutrient Content? Current Obesity Reports, 6(4), 420–431.
31) Sadler, C. R., Grassby, T., Hart, K., Raats, M., Sokolović, M., & Timotijevic, L. (2021). Processed food classification: Conceptualisation and challenges. Trends in Food Science & Technology, 112, 149–162.
32) Sadler C.R., Grassby T., Hart K., Raats M.M., Sokolović M., Timotijevic L. (2022). “Even We Are Confused”: A Thematic Analysis of Professionals' Perceptions of Processed Foods and Challenges for Communication. Frontiers in Nutrition, 9.
33) Scrinis, G., & Monteiro, C. A. (2017). Ultra-processed foods and the limits of product reformulation. Public Health Nutrition, 21(01), 247–252
34) Sollid, K. (2019). Fast Take: Do Ultraprocessed Foods Cause Weight Gain? International Food Information Council Foundation (IFIC), Post May 17, 2019.
35) Teo P.S., Tso R., van Dam R.M., Forde C.G. (2022). Taste of Modern Diets: The Impact of Food Processing on Nutrient Sensing and Dietary Energy Intake. The Journal of Nutrition Jan 11, 152(1):200-210.
36) The British Dietetic Association (BDA). (2021). Position statement on processed food. https://www.bda.uk.com/resource/processed-food.html
37) Thielecke, F., Lecerf, J-M., Nugent, A. P. (2020). Processing in the food chain: do cereals have to be processed to add value to the human diet?. Nutrition Research Reviews, (), 1–43.
38) Tobias D.K., Kevin D.Hall K.D. (2021). Eliminate or reformulate ultra-processed foods? Biological mechanisms matter. Volume 33, Issue 12, 7 December 2021, Pages 2314-2315.
39) Van Boekel, M., Fogliano, V., Pellegrini, N., Stanton, C., Scholz, G., Lalljie, S., et al. (2010). A review on the beneficial aspects of food processing. Molecular nutrition & food research, 54(9), 1215–1247.
40) Vergeer L., Veira P., Bernstein J.T., Weippert M., L'Abbé M.R. (2019). The Calorie and Nutrient Density of More- Versus Less-Processed Packaged Food and Beverage Products in the Canadian Food Supply. Nutrients 11(11):2782.
41) Weaver, C. M., Dwyer, J., Fulgoni, V. L., King, J. C., Leveille, G. A., MacDonald, R. S., Ordovas J., Schnakenberg, D. (2014). Processed foods: contributions to nutrition. The American Journal of Clinical Nutrition, 99(6), 1525–1542.
Vergeer et al. 2019. Nutrients 2019, 11(11),2782. https://doi.org/10.3390/nu11112782.
AESAN (2020). Report of the Scientific Committee of the Spanish Agency for Food Safety and Nutrition (AESAN) on the Impact of Consumption of Ultra-processed Foods on the Health of Consumers. Ministerio de Consumo (Spain), AESAN 2020/3. Translation available: https://zenodo.org/record/3935602#.Yk_wIijP3yR
Blumfield, M., Starck, C., Keighley, T., Petocz, P., Roesler, A., Abbott, K., Cassettari, T., Marshall, S., Fayet-Moore, F. (2021). Diet and Economic Modelling to Improve the Quality and Affordability of the Australian Diet for Low and Medium Socioeconomic Households. Int. J. Environ. Res. Public Health, 18, 5771.
Capozzi, F.; Magkos, F.; Fava, F.; Milani, G.P.; Agostoni, C.; Astrup, A.; Saguy, I.S. (2021). A Multidisciplinary Perspective of Ultra-Processed Foods and Associated Food Processing Technologies: A View of the Sustainable Road Ahead. Nutrients, 13, 3948.
Derbyshire, E. (2019). Are all ‘ultra-processed’ foods nutritional demons? A commentary and nutritional profiling analysis. Trends in Food Science & Technology. 94, 98 – 104.
BDA The British Dietetic Association. Position Statement. Processed Food. Jan 2021.
Ares, G., Vidal, L., Allegue, G., Giménez, A., Bandeira, E., Moratorio, X., et al. (2016). Consumers' conceptualization of ultra-processed foods. Appetite, 105, 611–617.
Botelho, R., Araújo, W., & Pineli, L. (2016). Food formulation and not processing level: Conceptual divergences between public health and food science and technology sectors. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, 58(4), 639–650.
Davies, V. F., Moubarac, J.-C., Medeiros, K. J., & Jaime, P. C. (2017). Applying a food processing-based classification system to a food guide: a qualitative analysis of the Brazilian experience. Public Health Nutrition, 21(01), 218–229.
Duan, M.J., Vinke, P.C., Navis, G., Corpeleijn, E., Dekker L.H. (2022). Ultra-processed food and incident type 2 diabetes: studying the underlying consumption patterns to unravel the health effects of this heterogeneous food category in the prospective Lifelines cohort. BMC Med 20, 7.